Traduzido por Patricia Paiva
Todos versados na história de Chan sabem que a vida eremita é comum e foi ensinada a muitos pelos mais famosos mestres da China. Na verdade, todas as tradições místicas encontram seus membros, em algum ponto da vida, se retirando da sociedade.
Para os místicos, viver uma vida reclusa de eremita é mais comum que isso. Stonehouse (石屋, ou “Shiwu”) foi um renomado poeta eremita arquetípico, então era um famoso Mestre Chan, Han Shan (寒山 ou Montanha Fria) Nós também nos lembramos de Hsu Yun, um grande mestre, que passou três anos na caverna quando mais novo; o Buda, no seu caminho para a iluminação, passou anos como um eremita de acordo com a lenda. É dito que passou nove anos meditando na solidão da caverna em uma montanha.
Talvez nenhum trabalho expressa melhor o fascínio pela vida eremita que o romance de Bill Porte chamado “Rodovia para o Céu: Encontros com chineses eremitas” ou “Entre as Nuvens Brancas” de Edward. Alguém que está seriamente andando pelos caminhos de Chan tem vontade de sair da sociedade, pois está é claramente o jeito obviou de ter tempo para se devotar à Chan ininterruptamente.
Fazer tal coisa, entretanto, requer que se tenha o desejo de desapegar da sociedade, desapegar do nosso senso social-identidade que foi cultivada por meio de nossas interações com os membros de família e amigos. Tal retiro completo significa que alguém se torne, essencialmente invisível para os outros, nos excluindo de suas opiniões que criaram e reforçaram nosso senso social e identidade pessoal.
Alguns reclusos Chan escolheram um caminho ligeiramente diferente, mas que resulta no isolamento efetivo da mesma forma: ao invés de viver em uma caverna na montanha ou em uma cabana, escolheram virar andarilhos- viajantes. Por muitos séculos, essa foi uma prática Chan, que mesmo hoje, permanece entre os remanescentes no budismo chinês que são ordenados monges que recebem bacias, pauzinhos, colheres e uma sacola para colocar os utensílios ao redor no pescoço.
Desde a ordenação, era esperado que um grande número de monges se tornasse andarilhos e que recebessem nos potes coisas para comer de estranhos no caminho. Eles também recebem uma túnica de oração que permite que eles se prostem sem manchar as vestes onde quer que eles estejam. Hoje ainda há monges que seguem esse caminho, mas um número bem menor que nos séculos passados.
Eremita ou anônimo viajante, aquele desapego físico da familiaridade que gera liberdade das confusões que adquirimos enquanto crescemos. Apesar da isolação e da incerteza, o eremita ganha habilidade de se ver de uma nova perspectiva e forma diferente. O mesmo efeito pode ocorrer quando nós entramos em um monastério ou quando vamos a um retiro espiritual: nossa identidade usual é descartada e nós temos a oportunidade de meditar no que resta: nossa Verdadeira Natureza, ou a natureza de Buda.
Enquanto é fácil ir para as montanhas por um final de semana solitário de acampamento, poucos de nós podem deixar tudo para viver em uma cabana de pedras ou caverna para estender o período de tempo: nossas vidas estão muito urbanizadas, muito ligadas às facilidades da vida moderna. Temos empregos, temos família e todos os apegos e obrigações ligados a eles: hipotecas, contas de telefone, as crianças para levar à escola... Nós não temos as condições de vida para se juntar a Han Shan em sua montanha.
Ou temos?
Muitos de nós estamos presos em nossas vidas, não importando quão gentil seja o apego: mas, há, de fato, coisas que podemos fazer que nos permitam reconstruir a experiência do eremita em meio à agitação de nossa vida, mesmo no meio da vida urbana. O eremita procura o desapego por meio do isolamento. O monge viajante procura desapego por meio do anonimato. O monástico procura desapego por meio do ascético e outras práticas. Todos os meios têm um objetivo: desapego. Tudo que temos a fazer é achar um jeito de fazê-lo em qualquer ambiente onde estivermos. Não é uma opção abandonar nossos filhos, ou o cuidado que devemos ter com nossa família. Se o fizermos, será por puro interesse pessoal que é contrário ao caminho de Chan, contra viver com o Dharma Buda.
Então o que podemos fazer?
Quando encontrarmos com alguém que conhecemos, seja um amigo, familiar, filho ou filha, podemos olhar para eles como se eles fossem um livro completamente aberto para nós, como se cada vez que os virmos seja a primeira vez. Podemos evitar projetar sobre eles noções pré-moldadas de quem nós imaginamos que sejam baseadas nas experiências passadas que tivemos com eles. Podemos começar um novo relacionamento cada vez que nos encontrarmos. Dessa forma, não somente serão “novos desconhecidos” passando pelo caminho onde viajamos pela vida, mas quando pudermos vê-los como pessoas que não têm atributos fixos, e vê-los como seres sem nossas projeções feitas sobre eles, damos a eles sua humanidade de volta. Nós descobrimos também que quando tiramos nossas projeções deles, as projeções deles sobre nós vão embora também, pois não há nada para eles se apegaram. Não importa qual caminho nós peguemos para a montanha. Todas elas são íngremes para escalar, qualquer que escolhemos. Um caminho não é “mais fácil” que o outro; é o que trazemos para ele que faz toda a diferença e nos proporciona a chegada no topo. Nossa sociedade dá um tom romântico para a vida do eremita, ou o questionamento, ou o ascético, pouco é dito sobre a grande energia que se gasta com a prática do Zen. A energia que é gasta por um místico não é diferente da do eremita, andarilho, ascético, jardineiro, programador, mãe ou pai, enfermeira ou bombeiro.
Quando temos a “Mente Zen” deslizando facilmente enquanto vivendo em uma cidade agitada como tenho, eu me encontro viajando pela cidade à lugares que não me são familiares e onde não conheço ninguém, me levam a ter essa experiência. Eu ando muito em lugares que antes não explorei e onde não conheço ninguém. Viajar por novos lugares onde tudo é “fresco” e novo me força a desapegar; o que leva a claridade da “Mente Zen”. Eu vou aos parques da cidade quando ninguém está lá, ou durante períodos do ano que há menos gente. Deixo meu celular em casa e meu iPad fica longe de mim. É possível encontrar o isolamento e o desapego em meio aos ambientes mais urbanos, e são lugares incríveis para reiniciar a jornada Zen para o autoconhecimento como qualquer outro.
Afinal, com a atenção voltada para o desapego, percebemos que o que estamos procurando está lá onde estamos, onde quer que formos; não depende de viver como um eremita, um monge andarilho ou um monástico. Só depende dos nossos esforços para desapegar. Isso é algo que podemos fazer em qualquer lugar.